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Outono

I


Abram alas a mim - Pensei naquele momento empoderador que você está no topo da escada do metrô prestes a descer e observa todas aquelas pessoas em sua singular individualidade subindo a escada contralateral, todos curvados em seus celulares ou em seu cansaço.. ou curvados a mim!

Inspirei bem fundo e - ao som dos trompetes, envolvido por minha capa vermelha - com um sorriso estava pronto para começar meu dia. Cada passo que dava em direção ao metrô eu sentia a Terra tremer. O próprio Rei Sol se pondo (ou nascendo, dependendo da perspectiva) mediante a todos aqueles súditos que não conseguiam apreciar seu verdadeiro soberano. Ver aquelas pessoas enchia-me de contentamento. Quantas não serviam a mim, indiretamente? Talvez alguma já me atendeu em um supermercado ou em um hospital -- talvez algum deles estivessem envolvidos lá naquela cirurgia que tive que passar para corrigir uma hérnia… dadas as estatísticas, eu diria que não seria tão improvável.

Ao fim da escada, fiz questão de manter o peito estufado e postura ereta, justamente para contrastar com aquelas pobres almas trabalhadoras. Era engraçado como entre elas algumas me pareciam o próprio bagaço da sociedade… a parte da laranja que nosso intestino rejeita, recusa-se a absorver… mas que é essencial para o bom funcionamento do corpo. Passando da catraca, certifico-me durante a minha caminhada a passos lentos e importantes que estou em direção à linha certa.. à linha amarela. Que coincidência, a linha ter uma cor digna a mim.

Sentando sobre minha capa vermelha imaginária em um dos bancos, embarco no metrô em direção ao Morumbi. Um pobre e magríssimo homem de camiseta laranja sentava em minha frente, com um aspecto de derrota. Mas estaria cansado, essa hora? Eram 15h apenas. Será que fez turno noturno e só agora está voltando para casa? Logo reparo seu aspecto corcunda que intencionava curvar sob minha presença, suplicando por algo essencial a sua vida. O que seria? Não importa, contento-me em enriquecê-lo com minha sabedoria e nada de origem material.

“Senhor” Sussurra dolorosamente ele, erguendo algumas moedas - míseras moedas - em minha direção “Por favor, me ajude”

Do alto do meu trono, lanço meu doce e controlado olhar em sua direção. Fico o encarando até que ele devolva o olhar e aprecie a fisionomia que lhe dei o luxo de presenciar. Uma lágrima escorreu do canto do seu olho direito e - agora de quatro - voltou o olhar para o chão… será que o intimidei? Achei poético como seu corpo comunicava comigo, mostrava respeito e resignação. Com a mão esquerda, ergui gentilmente a manga da minha túnica do braço direito. A cor de açafrão deslizou sobre meus gentis braços para longe de meu punho e, a uma distância que julguei suficiente, prossegui em dar leves palmadinhas em sua cabeça. Finalmente, com um sorriso, eu disse:

“Que te aflinges, meu filho?”

“Preciso de ajuda para achar um emprego, senhor. Preciso comprar ovos para alimentar meus filhos. E como vê…” Uma pausa “Isso é tudo que tenho” - Quebrou momentaneamente sua pose para apontar em direção das moedas no chão com sua trêmula mão esquerda.

Suspirei, é só isso. Voltei a sorrir com pena daquela pobre criatura que deixava problemas tão pequenos como aqueles ocuparem sua cabeça. Como lava incandescente sendo lenta e majestosamente derramada sobre a mente daquele homem, comecei a dar-lhe conselhos sobre a vida. Durante todo meu discurso, ele permanecia de quatro olhando para o chão o tempo todo. Conseguia sentir o cheiro carregado de enxofre no ar, meus olhos gradativamente mais e mais reluzentes enquanto perdia-me em minhas considerações de como aquele homem deveria prosseguir para sair daquela miséria.

Passaram-se alguns bons minutos (Ou horas talvez?) e, finalmente voltando a si, toquei gentilmente no meu colar de topázio a fim de me agarrar de volta para a realidade. O homem já não estava de quatro mais, encontrava-se deitado.. ou melhor, estirado sobre meu belo piso de granito. Estava morto. Com um erguer de mão, chamei meu guarda pessoal e pedi para retirá-lo dali -- não queria gastar mais qualquer segundo da minha vida olhando para aquela patética cena.


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